O Chá Poético contou com a participação dos alunos do 1º ao 9º Ano de Escolaridade, pais e toda toda comunidade escolar.
A poesia não se explica...
Não
sei falar de literatura. Não sei falar de poesia. Sobretudo não sei se a
poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou
depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica,
como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a
energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e
que “os ritmos em que se exprime constituem a forma do mundo". Sei,
como o poeta russo Mandelstam, que "escrever é um acontecimento
cósmico". E que cada palavra é um pedaço de universo. Ou como dizia
Klebnikov: "Na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa
do universo." Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja
mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia
Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo
esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação
mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal,
não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos
primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto
dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com
palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho.
Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os
sinais dos tempos através de múltiplos sentidos ou dos semi-sentidos da
palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham
uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como esse xamã antigo
que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as
forças benfazejas ou tenta exorcizar as forcas maléficas.
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel "il migiior fabbro". O poeta, dizia Cioran, "é aquele que leva a sério a linguagem". E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve "sonidos negros". É então que a poesia acontece.
Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais."
Manuel Alegre
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel "il migiior fabbro". O poeta, dizia Cioran, "é aquele que leva a sério a linguagem". E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve "sonidos negros". É então que a poesia acontece.
Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais."
Manuel Alegre
http://omarpareceazeite.blogspot.com.br/2008/11/poesia-no-se-explica.html
ÓRFÃ NA JANELA / ADÉLIA PRADO
Estou com saudades de Deus,
uma saudade tão funda que me seca.
Estou como palha e nada me conforta.
O amor hoje está tão pobre, tem gripe
meu hálito não está para salões.
Fico em casa esperando Deus,
cavacando a unha, fungando meu nariz choroso,
querendo um pôster dele, no meu quarto,
gostando igual antigamente
da palavra crepúsculo.
Que o mundo é desterro eu toda vida soube.
Quando o sol vai-se embora é pra casa de Deus que vai
pra casa onde está meu pai.
Adélia Prado em O coração disparado, ed. Record.
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